sexta-feira, 2 de setembro de 2011

QUASE SESSENTA, MAS COMENTAM: NEM APARENTA



Surpreendo-me com meu filho, hoje com 28 anos, a comentar que
já atingiu mais 1/3 de sua vida útil.
Um tipo de consciência que não tinha nesta idade.
Lembro-me de que, aos 25 anos, quando meu pai fazia um
comentário do tipo “há 30 anos atrás”, eu achava graça por dentro
e não entendia que a passagem do tempo se dava de forma mais
perceptível do que imaginava.
Hoje, aos 58, entendendo o que significa “há trinta anos atrás”:
quando minha primeira filha nasceu.
Mas foi ontem, exclamo!
O ontem distante da minha juventude, hoje é presença constante
na memória que ainda se mantém pautada nos caminhos da
lucidez.
Quase 60, mas comentam: nem aparenta!
Fico assustada, desconfiada com o que vem pela frente,
consequência das visitas ao Hotel Geriátrico onde instalei uma
aparentada distante, quase 87, com sérias seqüelas de uma
osteoporose não tratada. Hoje cadeirante, lúcida, viúva, sem filhos
ou qualquer alicerce emocional. Totalmente dependente.
Além de administradora de sua vida, passo por sobrinha,
referencial de família que lhe restou.
E comporto-me como tal.
Cuidadadoras, remédios, médicos, fisioterapeutas sob minha
responsabilidade, cadastramentos, bancos, fraldas, complementos
vitamínicos para que, na mais que perfeita terceira idade, tenha
total e absoluta dignidade.
E as mães, pais, avós, praticamente abandonados, cujos parentes não são tão abonados, só aparecem numa festa eventual?
Os olhares que pedem um afago, mãe e filha num quarto onde
reina o Alzheimer, gritos tal recém-nascidos pedindo proteção:
extrema solidão!
Quase 60, mas comentam: nem aparenta!

©rosangelaSgoldoni
02 09 2011
RL T 3 197 815
Publicada na Antologia Poemas à Flor da Pele 2012 Porto Alegre RS

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