Como rotina, voltava do interior aos domingos à noite, ônibus das 23.40h.
Apesar dos perigos da madrugada, o trânsito das estradas era tranquilo e encurtava o trajeto até o destino final, a urbe, em quase uma hora. O percurso incluía paradas em algumas cidades.
Mas, acidentes e violências são imprevisíveis como aquela pedrada em direção a sua janela meses atrás. Escapara por pouco.
Desta vez uma violência quase imperceptível.
Já embarcada, tentava dormir. Não ultrapassou os limites de alguns cochilos.
No stop para o lanche, em torno das duas e trinta, apenas um café. Em seguida, dirigiu-se ao toalete onde foi abordada por uma jovem, talvez uns vinte anos, que deixava transparecer seu olhar de medo e apreensão.
- A senhora está no ônibus que vai para o Rio - o stop envolvia outras linhas naquele horário -? O assento ao seu lado está vazio?
Sim, respondi.
- Poderia trocar de lugar e me acomodar a seu lado? Estou sentada atrás do motorista e um desconhecido insiste em perguntas descabidas e desnecessárias. Estou assustada e constrangida.
Solidária, sugeriu: sente-se à minha frente (será mais confortável para as duas). Caso o assediador venha ao seu encontro, levante-se e junte-se a mim.
Assim foi feito: atenta, a acolhedora percebia o homem na primeira fileira a se contorcer tentando localizar a mocinha assustada.
- Estou aqui, descanse, avisei. Qualquer coisa estarei pronta acolhê-la e buscar recursos para nos defendermos.
A sequência da viagem foi tranquila e sem abordagens inoportunas.
Desembarcou uma cidade antes, a poucos minutos de distância do ponto final, destino daquela jovem “Maria”, então adormecida. Despediu-se com delicadeza.
Dali para a frente, entregaria a Deus os cuidados dos quais se ocupou: que Ele a guardasse dos importunadores e protegesse a todas as “Marias incomodadas e constrangidas” sem distinção.
RosangelaSgoldoni
27 05 2019
Revisada em 10 05 2025 para publicação
na Coletânea Contos, Crônicas e Poesias, Vol. 7
Poemas à Flor da Pele, Porto Alegre, RS